A culpa é do povo?

Sempre, e isto é mais forte quando as eleições se aproximam, a gente costuma ouvir um ditado, que no fundo é um “salvo conduto” para os políticos corruptos, mensaleiros, sanguessugas e delinqüentes de colarinho branco que estão enquistados nas estruturas da vida nacional. Esta é uma máxima da política brasileira e afirma taxativamente que “cada país tem o governo que o povo merece”. A justificativa, que à primeira vista tem sua lógica e pode até parecer verdadeira, tem por base a idéia de que em uma democracia o povo é responsável único pela escolha de seus representantes nos poderes Executivo e Legislativo. Dizem alguns: “Se existe deputado/a, senador/a, governador/a, presidente, prefeito/a que são incompetentes, desonestos, ladrões do dinheiro do povo foram todos/as escolhidos de forma “soberana” pelo voto direto e secreto do povo”.
O povo durante as eleições tem a obrigação de saber escolher seus representantes e se pode escolher pessoas honestas, competentes e comprometidas com os interesses públicos e coletivos e acaba não escolhendo os melhores de quem é a culpa? Se o povo pode dar um cartão vermelho para políticos desonestos, sem caráter, incompetentes e não o faz de quem é a culpa? Se o povo é soberano, afinal todo poder emana do povo em uma democracia, o exercício desta soberania popular não deve ser trocado por favores, sacolões, esmolas públicas que caem das tetas do governo, tapinhas nas costas, promessas de emprego ou até mesmo uns trocados, belos e inflamados discursos.
Em pesquisa recente um jornal de circulação nacional estampou os resultados de uma pesquisa quando as pessoas responderam quais as qualidades que um candidato deve ter. O resultado não deixa dúvida: 57% dos eleitores desejam e votarão em candidatos que demonstrem nas palavras e, na prática, compromisso com a ética, com a idoneidade moral e com a honestidade. De outro lado, 39% não valorizaram essas qualidades e afirmaram que o mais importante é a competência administrativa, a experiência e a visão da máquina pública. Outros valorizam os candidatos que tem carisma, beleza e articulação verbal, educação, cultura, conhecimento de idiomas e coisas do gênero.
Aparentemente, o resultado desta pesquisa reforça a idéia de que o povo gosta muito do político que “rouba, mas faz”, marca registrada de Ademar de Barros, um político paulista do século passado, considerado corrupto naquela época, que seria um simples pivete político em meio a toda esta corja que habita o mundo político nos últimos anos.
Voltando à pergunta, seria o povo realmente responsável pela existência dessas quadrilhas que estão dando as cartas na vida política nacional? Em parte sim, pois tem a liberdade de escolher bem e corretamente e não o faz. Porém, o povo não tem liberdade total para escolher. Primeiro porque o voto no Brasil é obrigatório e não existe democracia assim em nenhuma parte do mundo. Segundo, quem faz as leis não é o povo, mas sim os políticos, os quais usam o povo como escada para subir aos píncaros do poder e dali cuidarem de seus interesses. Por exemplo, se os partidos representam uma sinecura, são dominados por caciques, verdadeiros donos que se eternizam em suas direções, se existe caixa dois nas campanhas, se acusados de corrupção podem se candidatar, se os políticos gozam de foro especial, se a justiça é lenta e quase nunca alcança os corruptos, se existe impunidade generalizada, se o Congresso Nacional acaba sendo uma casa de tolerância com práticas corruptas, se políticos e empresários corruptos são “inocentes” até prova em contrário, se gravações telefônicas, cópias de extratos bancários, cheques e depósitos em nomes de políticos, assessores, familiares, genros, esposas/as não são provas, será que tudo isto é culpa do povo?
O povo, na verdade, é vítima de uma máquina corrupta montada paulatinamente ao longo de décadas ou séculos por uma elite política e empresarial corrupta que na verdade oprime o povo com uma pesada carga tributária e ao mesmo tempo amplia os privilégios dessas quadrilhas que não se envergonham de dizer-se representantes do povo. Portanto, o povo é o menos culpado pela existência de políticos corruptos no poder!
Juacy da Silva é professor universitário aposentado, mestre em sociologia. E-mail: professorjuacy@yahoo.com.br
Fonte: Gazeta Digital