Conheça a história do cantor Matheus Cuelbas: jovem autista que viralizou nas redes sociais
Com milhões de visualizações na internet, Matheus defende a música como aliada do tratamento que realiza desde 2014, quando foi diagnosticado com transtorno do espectro autista.
Após postar nas redes sociais o vídeo em que interpreta a música “Baba O’Riley”, da banda The Who, Matheus Cuelbas, de 20 anos, atingiu milhões de visualizações e o compartilhamento de grandes páginas do cenário nacional do rock e de notícias positivas. Nos perfis do jovem autista no Facebook e Instagram, os milhares de compartilhamentos e comentários divulgaram uma parte do trabalho desenvolvido por ele.
“Posso dizer, com absoluta certeza, que a música é o que me mantém vivo, é a minha bússola em dias em que me encontro perdido e sozinho”, afirma. Atualmente, o canal no YouTube “David Sue”, nome artístico escolhido por ele, conta com mais de 30 mil visualizações e um EP autoral, lançado em 2019, que tem mais de mil ouvintes mensais no Spotify.
Amante da música nacional e internacional, de Beatles a Raul Seixas, ele explica que a canção foi gravada com a câmera do celular, durante uma habitual aula de canto. Após elogios do professor e alguns ensaios, a música da banda britânica foi a escolhida para a gravação no dia.
“Fico com um sorriso no rosto de ver tanta gente encontrando alguma coisa positiva na minha voz, até porque eu nunca gostei dela, o timbre, tudo me parecia muito infantil. No começo deste ano, comecei a aceitar melhor meu instrumento de trabalho. Vejo também um lado de mães e pais de autistas que me veem como uma esperança. Teve gente comentando: ‘meu filho tem autismo também, espero que ele consiga ser como você’.
O professor de música do jovem há seis anos, Fabiano Negri, afirma que o reconhecimento do talento era uma questão de tempo. “Eu já havia dito pra ele ‘um dia as pessoas vão prestar atenção na sua voz’, e esse dia chegou! A música gravada foi um trabalho comum que a gente faz em sala de aula, com vídeo, e com as canções. Já fizemos várias músicas, várias vezes, de forma diferente. Essa foi mais uma delas. E calhou de ser aquela em que as pessoas se identificaram e começaram realmente a viralizar”. Apesar de apoiar o crescimento profissional do jovem, a preocupação inicial foi de saber como Matheus reagiria à exposição. “Não posso negar o medo em saber como ele iria encarar tudo isso, já que estamos falando de milhões de pessoas vendo o vídeo, mas ele está com o pé no chão, sabendo levar a situação de uma maneira muito bacana”, conta.
Diagnóstico do autismo
“Os pés no chão” do Matheus, em relação aos vídeos postados na internet, também fazem parte do tratamento que realiza desde 2014. O jovem foi diagnosticado com Síndrome de Asperger aos 14 anos – Transtorno do Espectro Autista (TEA) – que afeta a capacidade de se socializar e de se comunicar com eficiência. Segundo ele, o diagnóstico era um resumo da sua adolescência, período em que teve grande dificuldade de interação social.
Matheus Cuelbas durante ensaios das aulas de canto e baixo – Foto: arquivo pessoal
Além de tomografias e outros exames, os médicos também constaram, na época, sintomas de depressão. Junto ao resultado clínico, ele iniciou o tratamento com especialistas e as aulas de violão. “Quando saí da escola que estive por nove anos da minha vida, mudei minha terapia convencional para a terapia ABA. Muitos tópicos que trabalhei no tratamento são os pilares da carreira musical que estou desenvolvendo, como não querer fazer tudo sozinho, ouvir instruções de profissionais e não criar expectativas muito altas. Acredito que o emocional e o profissional são pontos que devem estar em equilíbrio”, diz Matheus.
Os desafios do convívio social
Ao assistir a desenvoltura do jovem músico nos vídeos publicados nas redes sociais, não se imagina os desafios que existiam no início do tratamento. De acordo com a mãe de Matheus, Cláudia Cuelbas, as sessões de terapia e as aulas de música auxiliaram no enfrentamento dos medos, que, hoje, permitem que ela comemore pequenos momentos em família.
“Quando ele começou a terapia, foi muito difícil, pois ele não queria de forma alguma, ficava emburrado e nervoso. Quem vê o Matheus agora nem acredita. A intervenção em ABA foi o que aconteceu de melhor na nossa vida porque os terapeutas são ótimos e têm muita paciência”.
Cláudia lembra que as aulas de violão, realizadas em uma escola perto de casa, eram a forma encontrada pelo jovem de expressar seus sentimentos. No quesito profissional, o professor Fabiano aponta a timidez e a falta de confiança como as principais barreiras nas primeiras aulas. Com o tempo, as conversas entre professor e aluno foram além do âmbito musical, possibilitando o crescimento e os resultados, como o vídeo viralizado.
Os sintomas no começo do tratamento foram os mesmos constatados pela psicóloga e analista comportamental do Grupo Conduzir, Larissa Aguirre. “Matheus chegou até nós por indicação de sua fonoaudióloga, que conhecia sobre a terapia ABA e sua eficácia. No início da terapia, as principais dificuldades eram de relacionamento social, de lidar com um grande sofrimento emocional e de realizar tarefas do dia a dia com independência”.
Modelo de tratamento – ABA
Há três anos, o tratamento do Matheus segue o modelo da Análise Comportamental Aplicada, conhecido pela sigla ABA – Applied Behavior Analysis. Trata-se de uma ciência usada para a compreensão do comportamento que vem sendo amplamente utilizada no atendimento a pessoas com desenvolvimento atípico, como o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A ABA deriva do behaviorismo, que tem como finalidade o estudo do comportamento por meio científico.
De acordo com a terapeuta, as principais funções e atividades desenvolvidas pelo músico ao longo dos anos envolvem habilidades de controle financeiro, repertório de autocuidado e autonomia, tolerância em aceitar opiniões divergentes, empatia, aquisição de repertório para conversar sobre temas variados (capacidade antes exclusiva no campo da música), identificação das situações e suas consequências, autoestima, autoconfiança e atenção compartilhada. A psicóloga que acompanha o caso de Matheus comemora:
“Foi incrível ver o reconhecimento das habilidades do Matheus. É emocionante acompanhá-lo conseguindo generalizar e utilizar as habilidades aprendidas em contexto natural de maneira adequada. Nós sempre acreditamos no desenvolvimento dele, até mesmo quando para ele era difícil acreditar. E vê-lo recebendo esse carinho e reconhecimento das pessoas é muito emocionante.”
Para Matheus, a rede de apoio formada por familiares, amigos e os professores de música é o que o ajuda a realizar os sonhos e insistir em projetos profissionais. “Acho que eles foram as lanternas que iluminaram minha mente escura para novos horizontes e também aqueles que tiraram um momento da aula para ouvir meus lamentos pessoais. Tive sorte de ter uma família fantástica e de ter achado as pessoas certas para construir uma amizade verdadeira”.
Autismo de Alto Funcionamento
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido como autismo, engloba diferentes condições e graus de dificuldade no desenvolvimento neurológico. De acordo com os dados do Center of Deseases Control and Prevention, CDC, o autismo afeta 1 a cada 54 pessoas no mundo. Assim, a estimativa é que no Brasil existam cerca de 2 milhões de autistas.
Os graus de autismo são classificados do mais leve ao mais severo. O diagnóstico proferido ao Matheus em 2014 determinou uma disfunção de Nível 1, a Síndrome de Asperger, também chamada de “autismo de alto funcionamento”, caracterizada pelo atraso na comunicação e na interação social, além do interesse restrito por temas do cotidiano, como a obsessão pela música, que o impedia de conversar e conhecer outros assuntos.
“Para dar um exemplo, seria o caso da criança que apresentou pouco ou nenhum atraso da fala em si, mas que possui dificuldade em comunicar seus sentimentos, emoções e fazer ou manter relacionamentos de amizade com seus pares”, exemplifica a mestre e doutoranda em Análise de Comportamento, coordenadora do Instituto de Pesquisa Conduzir, Renata Michel.
A especialista ainda explica que, se um indivíduo tem déficits e/ou excessos comportamentais típicos do diagnóstico, a abordagem em ABA, aplicada por um profissional capacitado, pode reverter o quadro por meio de tratamentos corretos que irão aumentar ou diminuir os sintomas, a depender do objetivo, para que sejam apresentados comportamentos mais próximos aos esperados para pessoas da mesma faixa etária.
Apesar de ainda ser tema de estudos neurológicos, já é possível afirmar que o funcionamento do cérebro dos autistas é diferente e, por isso, tem uma compreensão distinta de atividades, o que poderia explicar melhores habilidades de foco e memória visual, entre outras características:
“Não podemos afirmar que os autistas de alto funcionamento são mais propícios ao desenvolvimento de habilidades focadas, mas sim que o autista de alto funcionamento que possui QI (Quociente de Inteligência) normal ou acima da média pode desenvolver habilidades muito significativas. Apenas 1% da população total de indivíduos com TEA possui o chamado “savantismo”, que considera o desenvolvimento de habilidades extraordinárias”, explica a especialista Renata Michel.