Mulheres afetadas pelo Essure, método contraceptivo da Bayer, se unem em busca de indenizações
Retirado de circulação na Europa, no Canadá e nos Estados Unidos, o Essure segue sendo utilizado no Brasil. Efeitos colaterais do dispositivo incluem hemorragia, depressão, queda de cabelo e infecção urinária
Milhares de vítimas de efeitos colaterais do contraceptivo Essure estão se unindo para pedir indenização por danos provocados pelo produto. Organizadas em grupos de WhatsApp e Facebook, elas trocam experiências e se mobilizam para exigir que os hospitais públicos possam fazer a retirada do dispositivo, que, apesar de todos alertas e do histórico de problemas causados, continua sendo utilizado no Sistema Único de Saúde (SUS).
Desde o início dos implantes do contraceptivo Essure pelo SUS, em 2012, milhares de mulheres apresentaram complicações médicas no Brasil. Entre os efeitos colaterais mais frequentes estão hemorragia, dor de cabeça constante, queda de cabelo, inchaço, manchas na pele, dor pélvica, depressão e infecção urinária. Muitas das vítimas terão de lidar para sempre com as sequelas deixadas pelo Essure.
O Essure foi lançado pela Bayer como uma alternativa menos invasiva e mais moderna à laqueadura, que consiste na ligadura das tubas uterinas. O dispositivo é formado por um par de molas 1,5 a 2 milímetros que se fixam nas paredes das tubas. Mas o que se apresentava como um salto tecnológico nos métodos contraceptivos acabou se revelando um pesadelo coletivo.
Em 2017, após uma série de alertas feitos pelas agências de saúde mais respeitadas do mundo, a Bayer decidiu retirar o Essure de circulação em toda a Europa e no Canadá. No mesmo ano, a Anvisa chegou a proibir a venda do produto no Brasil, mas logo depois voltou a ser comercializado. Em 2018, a comercialização do produto foi interrompida nos Estados Unidos.
Implante do dispositivo foi estimulado pelo SUS
“O dispositivo Essure foi usado em larga escala no Brasil. Ao se inscrever em programas de Planejamento Familiar do SUS, por exemplo, pacientes eram convidadas a assistir a palestras sobre as vantagens do Essure. Muitas já saíam de lá com a implantação do produto agendada, sem necessariamente saber dos riscos que o dispositivo oferecia”, explicou Gabriella Bianchini, sócia do escritório PGMBM e advogada das vítimas.
Depois de ter seu quarto filho, em 2015, a paulistana Mônica foi convencida a implantar o Essure em vez de fazer laqueadura tradicional. Poucos dias depois de ser submetida ao procedimento, ela começou a sofrer hemorragias e dores fortes pelo corpo. Em seguida, percebeu um inchaço na barriga e nas pernas, manchas e ressecamento na pele, queda de cabelo e problemas nos dentes.
“Eu sempre fui muito vaidosa. Depois de tudo isso eu não conseguia mais me olhar no espelho. Eu me achava horrível e não sabia por que eu estava sentindo tudo aquilo. Foi aí que eu entrei em depressão, mas eu não podia me dar o luxo de ficar deprimida porque tenho quatro filhos para criar. Decidi ir à luta e descobri que o Essure tinha sido proibido pela Anvisa”, relembrou Mônica, que ainda convive diariamente com boa parte dos sintomas.
Já Rosa passou por uma experiência semelhante no Rio de Janeiro, mas ainda mais nova. “Eu conheci o Essure no Planejamento Familiar, estava grávida, tinha 27 anos e engravidei tomando anticoncepcional. Me falaram que o procedimento era indolor mas não foi. Senti muita dor mesmo para colocar, e o máximo que eles davam era um anti-inflamatório, tipo Advil. Em seis meses eu engordei 10 quilos, eu desenvolvi fibromialgia nos dentes, perdi meus cílios e minhas sobrancelhas, tive dores nas articulações e não conseguia mais trabalhar normalmente como promotora de vendas”
“Eu coloquei em 2015, eu e mais 16 meninas, porque aqui no Mariska [Ribeiro] (hospital em Bangu) era mutirão. Toda semana tinham de 10 a 20 meninas colocando o Essure”, completou Rosa.
O descaso médico diante dos sintomas adversos provocados pelo método contraceptivo também agravam a saúde física e psicológica dessas mulheres. “Quando eu decidi retirar, em 2018, houve uma relutância muito grande no hospital. O médico falou que todos os problemas não eram relacionados ao dispositivo e que se eu tirasse eu continuaria sentindo os mesmos sintomas. Temos medo que, dependendo de como e do que a gente fale, a gente sofra represálias em uma mesa de cirurgia”, contou a carioca.
Depois de ter contato, pela internet, com os depoimentos das vítimas do Essure no Estados Unidos, Mônica começou a se conectar com outras mulheres brasileiras que estavam passando pelo mesmo drama. Ela decidiu, então, criar a página “Vítimas do Essure BR” no Facebook, que rapidamente ganhou a adesão de centenas de vítimas Brasil afora.
Tanto Mônica quanto Rosa afirmam que tudo que querem, agora, é uma reparação e o direito de realizar a histerectomia total (ou seja, a retirada completa do útero) – ao invés de terem que passar primeiro por uma retirada das trompas e depois por uma segunda cirurgia para resolver o problema de forma mais efetiva.
“A vida delas foi destruída por causa do Essure. A maioria delas convive até hoje com dores crônicas e agudas, depressão profunda e perda da capacidade motora”, revela Bianchini.
Especializado em ações coletivas, o PGMBM tem em seu histórico uma série de ações contra algumas das maiores empresas multinacionais do mundo, como a BHP Billiton e a Mercedes Benz. O escritório está prestando apoio jurídico às vítimas do Essure e colhendo depoimentos de centenas de vítimas Brasil afora.
“Sabemos que nenhum dinheiro vai devolver a vida que as vítimas do Essure tinham antes do implante. Mas precisamos ter a certeza de que elas serão indenizadas pelos inúmeros danos sofridos e terão condições financeiras de arcar com os tratamentos médicos necessários para diminuir os efeitos colaterais do dispositivo”, afirmou Bianchini.